25/09/2013 15:36:00 » Autor: Anna Beatriz Cunha/Fotos: Ricardo Cassiano
Estudo divulgado nesta quarta-feira (25/09) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que entre 2009 e 2011 o Brasil registrou quase 17 mil feminicídios - mortes de mulheres por conflito de gênero -, especialmente em casos de agressão perpetrada por parceiros íntimos. Esse número indica uma taxa de 5,8 casos de agressão para cada grupo de 100 mil mulheres. No estado do Rio, a taxa é ainda maior: 6,03 casos a cada 100 mil mulheres.
Para acolher e atender às mulheres vítimas de violência doméstica, a Prefeitura do Rio mantém o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam) Chiquinha Gonzaga, na Praça Onze. Com sigilo e anonimato garantidos, são disponibilizados serviços de acolhimento, atendimento e garantia de direitos às vítimas.
Por mês, cerca de 100 mulheres procuram o Ceam, onde recebem atendimento social e psicológico, orientação jurídica e, em caso de ameaça e risco de vida, são encaminhadas para o abrigo Casa Viva Mulher Cora Coralina, cujo endereço é mantido em segredo para proteção das vítimas e de seus filhos.
- O trabalho que fazemos aqui é de orientação e suporte, direcionado para a reflexão do processo de violência e da superação e resgate da autonomia e do projeto de vida da vítima. Com postura multidisciplinar e interdisciplinar os casos são discutidos em conjunto - explica Bianca Cappeli, coordenadora do Ceam Chiquinha Gonzaga.
Durante seis dos sete anos que viveu com seu ex-companheiro, a cabeleireira A.L, 34 anos, foi violentada verbalmente e fisicamente por ele. Depois de perder a guarda de dois dos seus três filhos, ela resolveu dar um basta na situação e saiu de casa com a filha, fruto de seu relacionamento com o agressor. Foi no Ceam e na Casa Viva Mulher que ela encontrou o suporte necessário para superar a violência sofrida e se reerguer:
- É difícil sair de casa, largar seus bens materiais, sem saber para onde ir. Comecei tudo do zero. Com meu trabalho de manicure consegui refazer a minha vida. Fiquei quatro meses no abrigo com meus filhos. Hoje só tenho que agradecer pelo atendimento que tive lá e no Ceam. Muitas mulheres não denunciam porque não sabem que existe um lugar seguro e tranquilo. Sei que é difícil denunciar, mas não é impossível.
Com capacidade para 40 mulheres, a Casa Viva Mulher Cora Coralina acolhe as vítimas de agressão e seus filhos, que recebem acompanhamento psicológico e médico. As crianças também são matriculadas em escolas públicas. Mesmo depois de deixar o acolhimento, as mulheres recebem atendimento psicológico no Ceam por cerca de um ano.
Desempregada, J.O, 28 anos e mãe de quatro filhos, foi violentada e ameaçada de morte pelo ex-marido. O medo que pairava na casa da família foi o que levou a vítima a sair de casa com os filhos e denunciar o agressor.
- Sofri todos os tipos de agressão: física, psicológica, ameaça de morte e xingamentos. Foi difícil sair e deixar a minha casa, mas os meus filhos estavam sendo afetados. Eles ficavam muito nervosos e com medo só de ouvir a voz do pai. Isso foi o que me encorajou a sair de casa. Fiquei três meses no abrigo e hoje me sinto ótima, estou me recuperando aos poucos dos sofrimentos. Voltei a estudar e sonho em conseguir um bom trabalho para dar um lar aos meus filhos - conta.
No ano passado, 64% das mulheres atendidas no Ceam tinham entre 30 e 49 anos, 87% tinham filhos, 81% tinham algum tipo de renda, 61% foram vítimas de seus companheiros, 58% eram moradoras da Zona Norte da cidade, 45% foram encaminhadas pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar e 35% sofreram violência física e psicológica.
O Ceam Chiquinha Gonzaga funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h, na Rua Benedito Hipólito, 125, na Praça Onze. Caso a mulher necessite de atendimento de emergência, fora do horário de atendimento, ela pode recorrer à Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher Vítima de Violência Doméstica (Cejuvida) do Tribunal de Justiça do Rio, na Rua Dom Manuel, s/nº, na Praça XV, aberto de segunda a sexta, das 18h às 11h do dia seguinte, e sábados, domingos e feriados, durante 24 horas.
Pesquisa IPEA
As mulheres jovens foram as principais vítimas de mortes violentas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos óbitos (54%) foi de mulheres entre 20 e 39 anos.
Quanto à forma de crime, 50% dos feminicídios tiveram o uso de armas de fogo, 34% de instrumento perfurante ou cortante, 6% enforcamento ou sufocação, e 3% por maus tratos.
Ainda conforme o estudo, 29% dos feminicídios ocorreram no domicílio, 31% em via pública e 25% em hospital ou outro estabelecimento de saúde. Do total de mortes, 36% ocorreram nos finais de semana, sendo 19% aos domingos.
Além dos números e taxas de feminicídios no Brasil, o Ipea realizou uma avaliação do impacto da Lei Maria da Penha. Constatou-se que não houve influência capaz de reduzir o número de mortes, pois as taxas permaneceram estáveis antes e depois da vigência da nova lei.
A Lei Maria da Penha entrou em vigor no dia 22/09/2006 e possibilita que agressores de mulheres no âmbito familiar ou doméstico sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Os agressores não podem mais ser punidos com penas alternativas. A legislação também aumenta o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. A lei prevê medidas que vão desde a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida.