Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro

 

 


 

Guarda municipal 'blinda' vidas de crianças e jovens de comunidades do Rio

19/04/2018 12:06:00


 

Quando criou o projeto, há cerca de dez anos, o guarda municipal Sérgio dos Santos não imaginava a transformação que causaria na vida de centenas de crianças e jovens de comunidades carentes da cidade. Hoje, o "Blindando Vidas" faz a diferença na vida de seus 380 alunos, que têm idades entre quatro e 17 anos. Uma delas, contrariando prognósticos médicos, é a jovem Thuany Modesto, de 16 anos, portadora de microcefalia (condição em que a cabeça e o cérebro são menores que o normal). Moradora de Guadalupe, ela é presença constante no Shopping Jardim Guadalupe, onde o projeto funciona. No local, onde pratica Jiu-jitsu, a menina interage perfeitamente com os colegas. Algo que, há três meses, sua mãe não imaginava que fosse acontecer.

 

"Esse projeto foi a melhor coisa que aconteceu na vida da Thuany. Desde que começou, em janeiro, ela vem apresentando um desenvolvimento enorme. Além de crescer muito desde que começou a lutar, também teve uma melhora comportamental muito grande. Por conta do problema que ela tem, ela se sentia excluída e era muito agressiva. Agora é uma menina calma que se relaciona muito bem com todos", diz Simone Modesto da Silva, orgulhosa mãe de Thuany. 

 

E a menina concorda. Segundo ela, é no tatame onde passa seus melhores momentos:

 

"Gosto de lutar e competir e aqui tenho muitas aulas. O projeto me ajuda muito no meu dia a dia, porque ensina a ser calmo e obediente. Isso é muito importante".

 

 

São resultados como esse que dão ao criador e coordenador do projeto a certeza de que está no caminho certo. Segundo ele, isso se dá porque o "Blindando Vidas" está cumprindo com sua principal função: o acolhimento. 

 

"O projeto acolhe as crianças, fazendo com que se tornem pessoas melhores. É visível, em muitas delas, o quanto o comportamento melhorou, seja dentro de casa ou na escola. As notas melhoraram consideravelmente depois que vieram pra cá, pois se tornaram pessoas disciplinadas", diz Sérgio, que entrou para a Guarda Municipal do Rio há cerca de cinco anos e integra o Grupamento de Operações Especiais (GOE), força de elite da GM-Rio, após ter passado pelos Grupamentos Especiais de Praia e de Trânsito. 

 

 

Sua trajetória nas artes marciais começou quando tinha 11 anos. Suas aulas de muay thai foram o sinal verde para a bela carreira que construiu. Em 25 anos, ele já conquistou 11 títulos intermunicipais, 12 cariocas, quatro brasileiros, dois panamericanos e um sulamericano no Kickboxing, modalidade com a qual mais se identificou. Além de se dedicar às competições e ao projeto, ele também compartilha seus conhecimentos com os colegas de trabalho do GOE. Sérgio integra a equipe de instrutores do grupamento especial e dá aulas de técnicas de combate misto (Muay Thai, Kickboxing, Taekwondo, e Karatê).

 

Sérgio veio de uma família de baixa renda, sustentada pela mãe, que tinha que trabalhar longas horas para sustentar seus quatro filhos. Segundo ele, sua infância foi determinante para suas escolhas de vida. A ausência do pai fez com que sentisse a necessidade de procurar um esporte para praticar.

 

"O Muay Thai entrou na minha vida quando eu tinha 11 anos. Conheci o esporte, gostei e imediatamente comecei a praticar. Cresci sem pai e minha mãe fazia as duas funções. E se há uma coisa perigosa em uma comunidade é uma criança sem uma referência paterna. Porque elas procuram a rua", diz.

 

 

 

O projeto

 

A primeira tentativa de montar o projeto aconteceu em 2008, quando Sérgio abriu vagas gratuitas para acolher alunos que não podiam pagar pelas aulas em uma academia de artes marciais onde atuava. O projeto funcionou neste formato até 2011, quando o proprietário do espaço não autorizou mais as gratuidades. Somente em 2017, Sérgio conseguiu reativar as aulas. O shopping cedeu a sala gratuitamente, tornando-se grande parceiro do projeto.

 

"A Prefeitura do Rio dá uma força grande ao projeto. Além da divulgação, a GM-Rio me libera para participar de eventos e tocar o projeto", diz o guarda. 

 

 

Para participar do "Blindando Vidas" e ganhar uma bolsa, é preciso que a criança ou adolescente seja aluno de escolas públicas ou particulares e tenha histórico de boas notas, além de comprovar a baixa renda. Os adultos também podem participar, desde que sejam colaboradores. Para isso, é cobrada taxa de R$ 60,00 para a manutenção do projeto. 

 

O processo de seleção dos alunos inclui um trabalho de pesquisa social. Para isso, Sérgio conta com a ajuda da mãe, a assistente social Dina Lucia Santos, que marca presença diariamente no local para acompanhar o desenvolvimento dos alunos. Os meninos vêm de várias comunidades da região, como Guadalupe, Costa Barros, Lagartixa, Palmeirinha, Chapadão e Pedreira. Para eles, a disciplina e o respeito ao próximo, que são os princípios básicos das artes marciais, os afastam de problemas no dia a dia. 

 

Esse é o caso de Gabriel Vianna, de 17 anos, aluno do projeto há cerca de um ano. Ele diz que a prática do Kickboxing foi fundamental para as mudanças positivas que viu acontecer em sua vida:

 

"O projeto foi impactante para a minha vida, não apenas sob o ponto de vista da defesa pessoal, mas de comportamento diante de certas situações. Não é porque luto que vou sair por aí demonstrando o que sei. A base de qualquer arte marcial é a disciplina e, fora do ringue, procuro passar isso aos meus amigos. Um exemplo é nunca reagir a assaltos. Não sabemos o que pode acontecer. Também tento sempre ensinar aos outros o respeito que aprendo aqui". 

 

 

Outro que atribuiu ao "Blindando Vidas" a melhora da qualidade de vida é o aluno Carlos Iago, de 13 anos. Incentivado pela prima, que já participava do projeto, o aluno de Jiu-jitsu diz agora que não se vê mais longe do tatame. 

 

"Estou aqui há cerca de três meses e vejo o Jiu-jitsu como uma forma de me distrair e abrir a mente. Sem falar que também ajudo minha mãe. Enquanto estou treinando, ela pode descansar. Além disso, as aulas ajudaram muito no meu desenvolvimento. Minhas notas subiram e passei a ser uma pessoa mais calma, disciplinada".

 

Já a aluna Beatriz de Souza Corrêa, de 17 anos, praticante de Judô, diz se sentir em casa no ambiente de treino. Segundo ela, isso se deve ao acolhimento que recebeu quando buscou ajuda no local. 

 

"Participo do Blindando Vidas há um ano. Aqui me acolheram como família em um momento muito difícil da minha vida. Quando mais precisei, eles me levantaram. Sou muito grata por isso". 

 

 

Colaboradores

 

O projeto "Blindando Vidas" conta reúne uma equipe de dez professores de várias modalidades, além de monitores, que colaboram com o sucesso da iniciativa. Para a professora Diane Cristien Gomes, de 33 anos, faixa preta de Jiu-jitsu e marrom em Judô, o projeto é uma forma de transmitir para a vida dos alunos algo que ela também vivenciou. Praticante dessas modalidades há 20 anos, ela trouxe alunos seus para projeto.

 

- Fui moradora de comunidade, aluna de projetos sociais e hoje estou aqui. Ou seja, quero dar a elas o que aconteceu comigo. Se minha vida mudou, também quero ver mudanças na vida dessas crianças. Quero mostrar a elas que a vida não é só dentro da comunidade. Muitos pais me falam que o comportamento dos filhos melhorou na escola e isso me deixa muito orgulhosa. Sempre peço esse retorno, de como estão em casa e na escola. "O projeto, de fato, blinda vidas", afirma a professora. 

 

 

 

Onde fica

 

As aulas do projeto "Blindando Vidas" acontecem no segundo piso do Shopping Jardim Guadalupe, de segunda-feira a sábado, entre 10h e 22h. Para mais informações e se inscrever, basta se dirigir ao local. Vale lembrar que, para participar, é preciso que a criança ou adolescente seja aluno de escolas públicas ou particulares e tenha histórico de boas notas.

 

Adultos também podem frequentar o espaço, desde que seja paga uma taxa de R$ 60,00 para ajudar na manutenção do projeto.

 

 

Competições

 

Além da dedicação aos treinos durante a semana, os alunos do projeto também participam de competições. Neste sábado (21/04), por exemplo, 15 jovens lutadores vão representar o projeto no Guadalupe Fight Combat, competição oficial da Federação de Kickboxing do Rio de Janeiro, que reunirá atletas de todo o estado. Das 10h às 17h, o local receberá combates de outras artes marciais, como Jiu-jitsu. O evento será realizado na sala do projeto "Projeto Blindando Vidas". 

 

O Shopping Jardim Guadalupe fica na Avenida Brasil 22.155. O telefone é 3512-9100. 




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