A atual legislação edilícia desta Cidade foi estabelecida na década de 70 do século passado e necessita urgentemente de atualização. Naqueles anos, a visão do ambiente urbano desejável era completamente diferente daquilo que almejamos atualmente. Mesmo as relações entre as pessoas e composição das famílias mudaram profundamente nesse período, e essas novas dinâmicas sociais demandam edificações mais flexíveis que não são permitidas pela legislação atual.

 

Nos anos 70, o país estava em meio a uma febre desenvolvimentista calcada no rodoviarismo e na expansão contínua dos espaços urbanos. Copiando um modelo vigente na América do Norte, baseado na criação de subúrbios com usos segregados e baixíssima densidade, conectados por autoestradas cada vez mais largas, as grandes cidades nacionais cresciam rapidamente, transformando-se em metrópoles espraiadas, altamente dependentes de seu centro histórico, com deslocamentos pendulares cada vez mais significantes.

 

O reflexo desse modo de vida expansionista nas edificações levou a um superdimensionamento na obrigação de construção de espaços para estacionamento. Se governar era abrir estradas e a prosperidade da indústria nacional era medida pela produção de automóveis, todos os cidadãos deveriam ter seus veículos pessoais, e era importante prever espaços para guardá-los nas novas habitações.

 

A transformação de uma sociedade rural em urbana trazia para a cidade o desejo de um modo de vida campesino, o mais isolado possível dos vizinhos e do espaço público. As famílias eram mais estáveis, mais numerosas, com maior facilidade para obtenção de serviços domésticos, com maior proporção de crianças em relação aos idosos e com expectativa de vida bem mais baixa que aquela que se verifica na atualidade. 

 

Por esses motivos, a criação de áreas de lazer internas às edificações era estimulada, em pavimentos elevados e isolados, longe da confusão das ruas. Os apartamentos possuíam dependências para empregados, dimensões extremamente generosas e grande número de cômodos. Os edifícios deveriam abrigar uma série de serviços domésticos e exigiam os espaços necessários para os trabalhadores, que deveriam até morar no mesmo espaço, sempre prontos para atender aos chamados de seus empregadores. O apartamento era a casa rural possível de ser construída em uma cidade e refletia as relações socioeconômicas e espaciais existentes no mundo tradicional de caráter rural.

 

A experiência da urbanidade contemporânea é diversa, mais fluida, compacta, menos segregada e direcionada aos deslocamentos locais. A cidade deseja ser mais compacta, mais próxima, mais vibrante, mais coletiva, com menos deslocamentos por automóveis e maior velocidade em suas dinâmicas quotidianas.

 

As famílias mudaram profundamente. Pais ou mães, solteiros ou separados, compõem hoje a maioria dos chefes de domicílio. O número de crianças por casal diminuiu drasticamente e a expectativa de vida da população aumentou tanto que hoje existem mais idosos do que crianças em alguns bairros da cidade.

 

Os deslocamentos dos cidadãos tendem a ser feitos mais rapidamente, de forma local, sempre que possível, com meios públicos ou bicicletas, retirando a dependência do automóvel particular. As relações de trabalho também sofreram grandes alterações. O trabalho de casa e o empreendedorismo são realidades contemporâneas que alteram o modo de se experimentar o espaço urbano e suas edificações. O lazer ao ar livre valorizou-se incrivelmente, aumentando a demanda por espaços públicos de qualidade e pela proximidade e integração entre os cidadãos.

 

O reflexo dessas modificações nas novas edificações projetadas é bastante significativo. A falta de interesse no automóvel particular transformou a exigência por vagas em um estorvo. O fomento da vida em sociedade, preferencialmente nos espaços públicos, gerou uma diminuição progressiva dos espaços dos apartamentos. A dificuldade em pagar por serviços domésticos quase eliminou os espaços generosos para funcionários. A tendência por uma vida mais individualista e independente separou as famílias e colocou no mercado um enorme contingente de jovens emancipados, divorciados e idosos, que buscam apartamentos menores para viver.
 

A legislação urbana, porém, está parada nos anos 70, refletindo uma visão dos espaços construídos que foi fomentada ainda nos anos 20 ou 30. Inúmeras oportunidades de desenvolvimento e emprego são perdidas e inviabilizadas pelas exigências obsoletas das leis urbanísticas da cidade.

 

É necessário atualizar essas normas, para que os cidadãos possam ter acesso aos espaços urbanos edificados que desejam e que seus estilos contemporâneos de vida demandam. Este Projeto de Lei Complementar é o primeiro passo em direção a esta modernidade, que será completado com a nova Lei de Uso e Ocupação do Solo, a nova Lei do Parcelamento do Solo e o novo Código de Licenciamento e Fiscalização, que estão sendo elaborados pela Prefeitura. Eliminando as amarras dos Códigos vigentes, a Cidade poderá entrar em uma nova era de desenvolvimento imobiliário mais flexível, mais rápido, menos burocrático e mais adaptado aos usos e costumes dos cidadãos do nosso tempo e do futuro.

 

Outro ponto a considerar, com o mesmo grau de importância, é a dinâmica do mercado. O Estado moderno tem a obrigação de olhar a sociedade pela ótica do emprego, do trabalho, da renda e das oportunidades de ascensão social e econômica. Pelo estímulo à criatividade e à iniciativa privada, o Estado deve usar o poder regulamentador, sem criar travas aos investimentos sadios.

 

Este é outro objetivo da proposta de reforma do Código de Obras. Ela desburocratiza, devolve ao indivíduo e à coletividade o protagonismo da ação do Estado. Cabe ao cidadão decidir como e de que forma pode buscar o melhor conforto para si, para a família, sem ferir os direitos dos demais. Por isso, é importante a redução significativa no número de itens, decretos e dispositivos dos instrumentos legais que regulamentam as atividades da construção civil na Cidade do Rio de Janeiro.

 



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