TIRANDO O PÓ DAS IDEIAS SIMPLES: UMA ATIVIDADE DE ESCRITA AFETIVA

 

 

O ano letivo de 2022 começou e, com ele, muitas expectativas e preocupações para solucionar defasagens provenientes do período em que ficamos afastados por conta da pandemia. Acredito que nós, professores, nesse momento, devemos fazer escolhas simples que nos possibilitem avançar na construção do conhecimento e no desenvolvimento das habilidades de nossos alunos. Por isso, considerando a minha realidade de professor II e com uma turma de 4° ano, optei por concentrar os esforços na escrita e na leitura, com diversificadas ações que acolhessem os alunos e permitissem sua autonomia, criatividade, seu trato com as emoções e o uso de sua bagagem sociocognitiva, que vem a ser o conhecimento da língua e das coisas do mundo que esses alunos possuem.

 

 

"...optei por concentrar os esforços na escrita e na leitura, com diversificadas ações que acolhessem os alunos e permitissem sua autonomia, criatividade, seu trato com as emoções e o uso de sua bagagem sociocognitiva..."

 

 

Assim como faço todos os anos ao iniciar as aulas de Língua Portuguesa, conversei com a turma sobre a importância e o porquê de aprendermos, na escola, uma língua que a gente já fala. Essa conversa sempre gera comentários superbacanas e é um importante mapa para percebermos a relação e o entendimento de nossos alunos sobre o que fazemos na escola. Então, direcionei a conversa sobre as adequações que fazemos no uso da língua às situações comunicacionais que vivemos. Observei que ao longo da vida construímos o nosso vocabulário, as palavras e expressões de que gostamos e usamos com frequência e, a partir desse gancho, apresentei a proposta de atividade.

 

 

A área de conhecimento da atividade proposta foi a de linguagens, no caso Língua Portuguesa, como já citado aqui, e os objetivos e habilidades para esta atividade seguem em concordância com a reorganização curricular carioca:

 

  • produzir textos, individual e coletivamente, de acordo com as condições de produção (finalidade, gênero, interlocutor), utilizando recursos gráficos suplementares (distribuição espacial, margem, letra maiúscula);
  • planejar a escrita do texto, adequada ao interlocutor e aos objetivos da comunicação, levando em conta a finalidade, a circulação, o suporte, a linguagem, o gênero e o assunto;
  • produzir textos, individual e coletivamente, com sequência lógico-temporal (início, meio e fim; presente, passado, futuro).

 

 

"Essa conversa sempre gera comentários superbacanas e é um importante mapa para percebermos a relação e o entendimento de nossos alunos sobre o que fazemos na escola."

 

 

Essa é uma atividade bem simples e com recursos acessíveis na sala de aula. As etapas da proposta foram:

 

  • distribuí pequenos pedaços de papel colorido aos alunos;
  • pedi que escrevessem neles uma palavra de que gostassem muito ou que tivesse sido muito importante para eles. Havia alunos que ainda não escreviam; nesse caso, eles desenhavam;
  • formei uma roda para que pudessem apresentar e justificar a escolha de suas palavras. Usei esse momento para ocupar o espaço da escola, aproveitei o caracol com o alfabeto para pedir que apresentassem as palavras em ordem alfabética e ocupassem as letras no caracol!

 

 

No desenvolvimento da primeira etapa da atividade foi possível experimentar a oralidade na hora de justificar a escolha das palavras, relembrar a ordem alfabética, explorar os espaços da escola, ouvir e descobrir o que é importante para os colegas, como comida, diversão, boneca, família, pizza entre outras palavras que surgiram. Essa foi uma etapa divertida, com muitas risadas e trocas bacanas entre eles e eu, que também apresentei minha palavra preferida. A turma adora as atividades que são feitas do lado de fora da sala e acredito que o vínculo que eles criam com os espaços da escola contribuem para a relação de afeto com a aprendizagem que acontece nesse espaço.

 

 

A segunda etapa da atividade foi a proposta textual. E a apresentei assim:

 

  • expliquei aos alunos que eles iriam construir um texto narrativo;
  • conversamos, destacando a importância das palavras deles no mundo em que vivemos. Depois, propus que pensassem num mundo, país, cidade ou lugar em que não existissem as coisas que eles escreveram no papel;
  • pedi que colocassem a palavra no caderno;
  • orientei-os sobre os elementos do texto narrativo;
  • expliquei à turma que cada parágrafo tinha mais ou menos cinco linhas: início, desenvolvimento, clímax e desfecho;
  • pensamos juntos algumas frases que pudessem iniciar o texto, sobre como seria esse mundo, suas características, formas e outras coisas que eles haviam citado;
  • no segundo parágrafo, conversamos sobre apresentar a situação-problema da história, que seria esse mundo sem a palavra que haviam escrito;
  • no terceiro parágrafo, a turma pontuou que precisaria de uma mudança para que o mundo pudesse ter aquela tal palavra;
  • no quarto e quinto parágrafos, deu-se o desfecho da história. Tivemos heróis trazendo diversão, alienígenas, aprendizado… Grandes histórias, de grandes autores!

 

 

Esta foi a proposta da atividade: escrever um texto sobre um mundo em que não existisse a palavra que eles haviam escrito no papel e promover uma reviravolta na história para que o mundo pudesse ter novamente a tal palavra. É importante destacar que fizemos juntos a construção de cada parágrafo, mesmo que cada um dos alunos mantivesse seu texto e sua palavra. Acompanhar esse processo foi fundamental para perceber a bagagem que a turma traz consigo e que só em momentos como esses podemos perceber, pois ao propor que eles falassem sobre algo que tivesse um significado para eles, os alunos puderam discorrer sobre o tema com confiança e sem medo de errar.

 

 

O resultado dessa atividade pode ser compreendido pelo entusiasmo dos alunos ao escrever sobre algo de que gostavam e, ao serem desafiados nessa proposta que foge um pouco aos padrões, a atividade tornou-se mais prazerosa. No livro Pedagogia da autonomia, Paulo Freire (2021, p. 84) afirma que "o bom professor, é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é um desafio e não uma canção de ninar". E essa atividade é um exemplo disso: os alunos escreveram com empolgação, sem medos sobre a escrita, compartilharam as ideias do texto com os colegas, se divertiram, puderam usar nos textos repertórios de suas vivências, situações que fazem parte de suas rotinas e de seu mundo.

 

 

É certo que só se aprende a escrever escrevendo e, diante das produções dos alunos, é possível observar o alcance dos objetivos iniciais, com textos organizados espacialmente, com margens e uso de letras maiúsculas, além da produção de sentido com narrativas com começo, meio e fim. Ver os alunos produzindo textos com mais de 15 linhas e ainda mantendo a lógica do texto narrativo é ter a certeza de que, ao tirar o pó de ideias simples, podemos seguir construindo um trabalho com leitura e escrita que também faça pensar.

 

 

Referências

 

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 68. ed. Rio de Janeiro: São Paulo, 2021.

 

 

 

Fernanda Pascoal

 

 

 

Com formação em Comunicação Social, Jornalismo e Letras – Português/Literatura, é professora da Rede Municipal de Ensino há 11 anos, atuando com turmas dos Anos Iniciais. Atualmente, trabalha na Escola Azevedo Sodré.