Diálogos entre a práxis freiriana e a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

 

Instituto Municipal Helena Antipoff – IHA

 

 

A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI (2008) tem como objetivo assegurar o processo de inclusão dos alunos público-alvo da Educação Especial – que são alunos com deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs) e Altas Habilidades/ Superdotação (AH/S) –, na medida em que orienta os sistemas de ensino a garantir os direitos de acesso ao ensino regular, de permanência, aprendizagem, continuidade e acessibilidade, a fim de mitigar e/ou eliminar barreiras no processo de inclusão escolar.

 

 

O Ministério da Educação e da Cultura (MEC, 2008) estabeleceu a PNEEPEI, fundamentada na concepção de direitos humanos que concebe igualdade e diferença como valores indissociáveis e caminha numa perspectiva de equidade ao respeitar os determinantes sociais que podem colocar esses sujeitos em situações de vulnerabilidade.

 

 

 

 

A garantia do acesso e permanência nas escolas e classes comuns da rede regular de ensino é um marco na PNEEPEI (2008). Esta premissa está fundamentada no direito de os alunos estarem, aprenderem e participarem juntos e poderem conviver com a diversidade humana desde a mais tenra idade.

 

 

As diretrizes da PNEEPEI (2008) garantem o apoio aos alunos público-alvo da Educação Especial através do Atendimento Educacional Especializado (AEE), que complementa ou suplementa a educação dos alunos numa perspectiva de autonomia, independência e liberdade do sujeito, tanto no contexto escolar como em todo e qualquer equipamento da sociedade. Essas diretrizes também orientam a utilização deste serviço de apoio por professores e alunos das turmas comuns do ensino regular.

 

 

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) deve identificar, elaborar e organizar ferramentas pedagógicas que minimizem ou eliminem barreiras de acessibilidade, que impeçam de alguma forma a participação plena desses alunos, respeitando suas especificidades. Nesse sentido, o AEE disponibiliza programas de enriquecimento curricular, bem como o ensino de códigos e linguagens específicas de comunicação e sinalização e, ainda, de tecnologia assistiva, conforme a PNEEPEI (2008). O Instituto Municipal Helena Antipoff (IHA) é o órgão da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro (SME-Rio) que implementa as políticas públicas relativas à Educação Especial em consonância com o Ministério da Educação e da Cultura (MEC).

 

 

O IHA é uma referência em Educação Especial. Possui 11 equipes – uma para cada Coordenadoria Regional de Educação (CRE) – responsáveis por acompanhar e orientar os trabalhos desenvolvidos nas unidades escolares. Desenvolve estudos e pesquisas sobre Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e oferece oficinas pedagógicas para o desenvolvimento pleno dos alunos público-alvo da Educação Especial matriculados na rede pública da cidade do Rio de Janeiro, a fim de construir conhecimentos na proposta da Educação Inclusiva.

 

 

A formação continuada para profissionais da educação da Rede Pública da Cidade do Rio de Janeiro atuarem na perspectiva da Educação Inclusiva é realizada pelo IHA, bem como a aquisição e produção de tecnologia assistiva para atender à diversidade dos alunos no contexto escolar.

 

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948) destaca que todas as pessoas são iguais e têm direito à dignidade e à liberdade, seja qual for a raça, cor, gênero, nacionalidade, religião ou política do indivíduo. Desse modo, o respeito à diversidade humana é uma preocupação da sociedade há décadas. No entanto, para a garantia desses direitos são necessárias constantes mudanças nas políticas públicas que possam atender às transformações da sociedade.

 

 

Segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) Nº 9.394/96, no seu art. 8º, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.Assim, observa-se na legislação um diálogo com as ideias de Freire (1975) ao destacar as ações colaborativas para a emancipação da sociedade: “Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em comunhão. As lutas precisam ser coletivas”.

 

 

De acordo com o art. 205 da Constituição Federal (1988), a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Nesse sentido, a educação é uma responsabilidade social.

 

 

A escola inclusiva é um lugar de todos e para todos. Dessa forma, a escola regular acolhe todos os alunos, produz e disponibiliza meios e estratégias adequadas e, ainda, oferta apoio àqueles que encontram obstáculos para a aprendizagem.

 

 

 

 

A diversidade apresentada pelos alunos na escola precisa ser preservada no contexto social, pois simboliza a oportunidade para o atendimento das especificidades educacionais voltadas às competências, capacidades e potencialidades dos estudantes. O aluno precisa ser o protagonista desse processo. Assim, ainda há alguns desafios a serem vencidos, como o capacitismo, a desconstrução de um olhar reducionista e ações voltadas a mitigar/eliminar as barreiras.

 

 

Segundo Freire (1975), “o homem sabe pouco de si”. Nesse sentido, a conscientização de si e do outro é uma forma de ampliar sua visão de mundo, para que respeite a diversidade humana e possa se tornar um sujeito crítico e transformador. Para tal, a educação é uma ferramenta libertadora das amarras que oprimem o homem e a sociedade. Assim, Freire destaca: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

 

 

O atendimento aos alunos público-alvo da Educação Especial tem avançado significativamente na SME-Rio. No entanto, para dar conta das demandas da sociedade, é necessário um olhar diferenciado e atento às políticas públicas para atender a diversidade humana. Conforme destaca Freire (1975), “o homem é um ser inacabado”, está em constante movimento de busca e tem consciência da sua incompletude.

 

 

As crianças que convivem com a diversidade desde cedo crescem sem preconceitos e constroem uma sociedade inclusiva. Assim, a PNEEPEI (2008), ao propor a inclusão na escola regular, possibilita que os alunos reconheçam a diferença como uma riqueza humana. Nesse sentido, pode-se destacar o diálogo da práxis freiriana (1975) com a PNEEPEI, na medida em que “a prática pode mudar de acordo com a teoria e a teoria mudar de acordo com a prática” para contemplar os contextos sociais. Para Freire, a práxis conduz a uma educação problematizadora da transformação social, que leva a questionamentos, respostas e novas indagações.

 

 

As discriminações de gênero, orientação sexual, raça, etnia e condição, entre outras, correlacionadas à falta de oportunidades, remontam os desafios da realidade, revelando a exclusão social. Condição esta que não foi determinada pela natureza, mas por uma construção social, que é uma constante conforme relata Freire (1975).

 

 

 

 

O processo de exclusão está atrelado ao de desumanização, que ocorre quando se tem violação de direitos, opressão e injustiça. Embora a desumanização seja uma possibilidade, ela não é determinante. É resultado de uma construção social injusta e violenta, na medida em que a humanização é uma vocação do homem, conforme destaca Freire (1975): "A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria."

 

 

Segundo Freire (1975) “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. Assim, o autor destaca a restauração à humanidade a partir das lutas sociais, que devem partir do oprimido (neste contexto, alunos público-alvo da Educação Especial). Mas esta luta do oprimido só faz sentido quando ele não oprime; ao libertar o oprimido (liberta-se) e liberta o opressor (quando este reconhece sua condição) – Pedagogia libertadora (1994).

 

 

As ações afirmativas são políticas de cunho equitativo e são uma forma de garantir a inclusão e inserção, ao assegurarem o direito à igualdade e o direito à diferença, respeitando os contextos sociais, mitigando as situações de vulnerabilidade a que alunos público-alvo da Educação Especial possam estar expostos. É importante reconhecer e legitimar os diferentes modos de ser, já que educar é uma ferramenta viva, que se dá no contexto.

 

 

A Lei Brasileira de Inclusão, Nº 13.146/2015, destaca que a deficiência deixa de ser um problema exclusivamente da pessoa e passa a ser uma questão de acessibilidade e de quebra de barreiras sociais preexistentes a esse sujeito e que precisam ser removidas. Esta Lei, em consonância com a PNEEPEI, dialoga com o discurso de Freire quando relata que a luta pela inclusão é coletiva, humanista e histórica, e que esta “práxis da busca é um ato de amor e de coragem” da sociedade.

 

 

Respeitar as diferenças é o primeiro passo para construir uma sociedade mais justa. A Educação Inclusiva é uma questão de justiça social; é um ato político, conforme destacou Paulo Freire (1992): “a democracia não pretende criar santos, mas fazer justiça”, pensar em todos considerando cada um. É importante destacar que as necessidades e possibilidades são maiores que as leis, que não se pode tornar universal o que é particular.

 

 

 

“Respeitar as diferenças é o primeiro passo para construir uma sociedade mais justa. A Educação Inclusiva é uma questão de justiça social; é um ato político...”

 

 

As ideias de Freire, em consonância com a PNEEPEI (2008), nos levam à ideia de que a emancipação do sujeito tem como premissa fundamental o processo educacional e os determinantes sociais em que este sujeito está inserido. Nesse sentido, pode-se observar a atemporalidade da obra de Freire (1975) quando destaca que professor e aluno caminham numa via de mão dupla, visto que são sujeitos do processo de construção do conhecimento, onde tanto ensinam como aprendem, tendo o contexto escolar – em especial, a sala de aula – como o local que favorece esse encontro de trocas e construção de conhecimentos numa relação horizontalizada, onde os saberes de todos importam: “a educação destrói mitos.”

 

 

Referências

 

ASSEMBLEIA-GERAL DA ONU (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos (217 [III] A). Paris, 1948.

 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 2016.

 

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm. Acesso em: 02 abr. 2022.

 

CONVENÇÃO sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Decreto Legislativo Nº 186, de 9 de julho de 2008: Decreto Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.

 

FREIRE, Paulo. Papel da educação na ‘humanização’. Revista Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1971.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 245 p.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1975.

 

POLÍTICA Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF: 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 3 ago. 2018.

 

 

 

Claudia Medina Almeida

 

Pós-graduada em Gestão Pública, ingressou na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro em 1995 e hoje é Diretora do Instituto Municipal Helena Antipoff (IHA).

 

 

Fanni Hamphreis da Silva

 

Mestre em Fonoaudiologia – fala e linguagem, é Coordenadora Técnico-Pedagógica das Equipes de acompanhamento do Instituto Municipal Helena Antipoff (IHA). Ingressou na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro em 1995.

 

 

Valéria Galo de Melo

 

Mestre em Educação (UERJ), ingressou na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro em 2002 e desde 2018, é Assistente I do Instituto Municipal Helena Antipoff (IHA).