A Gerência de Educação de Jovens e Adultos e Paulo Freire – aproximações possíveis e desafios futuros

Gerência de Educação de Jovens e Adultos (GEJA/SME-Rio)

 

 

Por que é importante refletirmos sobre Paulo Freire?

 

 

Começar este texto por uma pergunta pode ser uma boa proposição para um percurso de reflexão. Paulo Freire precisa, com certa urgência, ser mais lido e estudado com mais profundidade em nossa sociedade. Essa urgência pode ser traduzida como a necessidade de enxergarmos a educação brasileira pelos nossos próprios referenciais. Não significa, com isso, abandonarmos outros referenciais que contribuíram e contribuem para a nossa formação. Mas significa que precisamos, por outro lado, nos descolonizar, valorizarmos a produção intelectual educacional brasileira e latino-americana e, com isso, fortalecermos nossas identidades, nossos referenciais epistemológicos e nossos intelectuais.

 

 

Teorizarmos nossos cotidianos como professores(as) pesquisadores(as), a partir de fundamentos epistemológicos que produzimos, nos permite uma análise referenciada em nossa própria realidade sociocultural-política. Isso significa desconstruir uma compreensão colonizadora que impunha experimentar ideias formuladas em contextos completamente distintos dos nossos como proposição às nossas problemáticas. Mais uma vez, é preciso reiterar que não buscamos um fechamento a outras ideias, mas compreendermos que precisamos nos abrir às nossas próprias ideias.

 

 

Paulo Freire foi um educador e intelectual brasileiro que influenciou de modo significativo o pensamento educacional não só no país, mas também na América Latina, reverberando em outros lugares do mundo. É autor de uma vasta literatura conhecida internacionalmente, em que podemos encontrar títulos como Pedagogia do oprimido, Educação como prática da liberdade e Pedagogia da autonomia, só para citar algumas de suas obras mais conhecidas. Seu pensamento e sua prática na educação procuraram problematizá-la, convidando-nos a refletir sobre a educação como meio pelo qual os sujeitos podem compreender sua situação no mundo, o que provoca as injustiças sociais e os meios de superá-las em favor de condições de vida mais dignas.

 

 

Paulo Freire, mais do que nunca, é necessário e fundamental para que se compreenda e se estruture um projeto político pedagógico para a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

 

 

Por que é importante refletirmos sobre Paulo Freire na EJA?

 

 

Não há uma resposta única ou certa para esta pergunta. Mas há inúmeras respostas possíveis que fundamentam a relevância do pensamento freiriano para a educação, principalmente para a EJA. Cada uma dessas possíveis respostas pode ser formulada a partir da leitura e estudo dos títulos de sua vasta obra bibliográfica. Aqui, traremos algumas pistas sobre essa resposta a partir das aproximações possíveis com seu legado intelectual, que temos observado no cotidiano e que temos procurado praticar no desenvolvimento de ações propostas pela Gerência de Educação de Jovens e Adultos (GEJA).

 

 

Paulo Freire (2014) nos apresenta como uma de suas ideias centrais, em Pedagogia do oprimido, o diálogo. A palavra é vista como meio fundamental pelo qual os sujeitos produzem a si próprios e o mundo, enunciando, anunciando, nomeando, denunciando e reivindicando. Ou seja, exercendo o direito a dizer sua própria palavra e dizer a si mesmo, por meio de suas palavras, sem que a palavra seja privilégio de alguns, mas direito de todos.

 

 

Outra ideia forte na mesma obra de Freire (2014) é a educação crítica e libertadora em oposição à educação bancária. Enquanto essa última se conforma e tenta conformar os sujeitos a serem receptores de informações, passivos, acríticos e condicionados, a educação crítica e libertadora, por outro lado, propõe que os(as) estudantes sejam sujeitos do conhecimento e de suas aprendizagens; que interroguem o mundo e suas condições de existência nele; e que se reconheçam condicionados e busquem meios de superar as injustas condições de desigualdades sociais.

 

 

 

 

Nesse sentido, de os(as) estudantes serem protagonistas de sua própria educação, precisamos refletir mais sobre o que Freire (2011) quer nos dizer quando afirma que "a leitura do mundo precede a leitura da palavra". Esse pensamento evidencia que Freire focaliza a emancipação de estudantes não somente a partir do que a educação pode oferecer pela escolarização, mas também a partir de reconhecer como legítimos os conhecimentos produzidos culturalmente nas experiências de vida, muitos dos quais invisibilizados e descredibilizados.

 

 

 
 

"A LEITURA DO MUNDO PRECEDE A LEITURA DA PALAVRA"

 

 

 

 

 

A premissa de que todo sujeito possui conhecimentos legítimos que podem ser utilizados como alicerces de seu processo de aprendizagem é fundamental dentro da educação, mas é em especial para a EJA, pois seu público é formado por jovens e adultos que carregam uma experiência de vida mais extensa do que nas outras modalidades do Ensino Fundamental.

 

 

Bebendo dessa fonte e inspirada por esses paradigmas, desde 2019, a GEJA realiza anualmente a Semana da EJA Rio, composta por um ciclo formativo para os sujeitos desta modalidade da educação. Em 2021, celebrando o centenário de nascimento de Paulo Freire (1921-1997), cujo pensamento é uma das principais referências para a EJA no Brasil, a III Semana da EJA Rio teve como tema "O legado freiriano para uma EJA emancipadora". Na ocasião, a GEJA propôs uma dinâmica convidando gestores(as), professores(as) e estudantes da EJA Rio a estudar, debater, refletir e problematizar a biografia e obra(s) de Paulo Freire e, a partir daí, produzir cartas "dialogando com o homenageado", expressando suas reflexões sobre "como os referenciais freirianos nos ajudam a ler o mundo e a transformá-lo". As cartas produzidas fizeram parte da XXII ExpoEJA na mostra Cartas a Paulo Freire.

 

 

A ExpoEJA é um encontro realizado anualmente para promover a mostra dos trabalhos produzidos por estudantes e professores(as) da EJA Rio. Foi integrada à Semana da EJA Rio em 2019.

 

 

As atividades da III Semana da EJA integraram o calendário de atividades do Centenário Paulo Freire, promovido pela Secretaria Municipal de Educação (SME-Rio) e articuladas pela Escola de Formação Paulo Freire (EPF).

 

 

A Semana da EJA Rio de 2021 se propôs a ampliar os sentidos de formação a partir da noção de educação permanente, convidando também os(as) estudantes a participar dela como possibilidade de educação ao longo da vida e de compreender a voz de estudantes (no diálogo docente-discente) como formativo para professores(as) e como potência demandante por políticas públicas para a modalidade. Assim, o propósito do evento foi formar de modo continuado estudantes e professores(as) da EJA Rio nos princípios teórico-metodológicos da EJA e nas especificidades inerentes a essa modalidade para a qualificação da prática pedagógica e ampliação da participação cidadã desde a escola, além de subsidiar discussões de temas de relevância para o cotidiano da EJA.

 

 

Por fim, traremos mais uma ideia que nos é muito cara, não esgotando aqui as ideias fundamentais e relevantes sobre o legado de Freire. Esse é apenas um recorte de algumas ideias de Freire que inspiraram algumas ações da GEJA, dado o limite deste texto. Para Freire (1996), todo ser humano é inacabado, inconcluso, pois é histórico, cultural, e, portanto, se produz na sua experiência de vida. Também, está sempre em processo constante de humanização, o que depende, entre outras coisas, de uma educação libertadora que auxilie os sujeitos a tomar consciência das suas condições de existência no mundo. Para a EJA, esta ideia é fundamental, pois ajuda a formar uma concepção de educação que colabore para a formação de uma consciência entre os sujeitos estudantes de que nossa condição no mundo não é determinista nem fatalista. É um condicionamento, fruto de um processo histórico desfavorável às classes populares e, como processo histórico, essas condições podem ser superadas e (re)construídas.

 

 

Associada à perspectiva dialógica e à noção de inacabamento, a humanização é outra noção fundamental para a EJA. Ela se torna muito significativa, quando posta frente a um processo histórico que vem condicionando sujeitos à desumanização, dessensibilizando, embrutecendo, alijando-os de direitos mínimos à dignidade humana. Nesse sentido, a busca da Educação Libertadora por uma contranarrativa à hegemonia é um ponto crucial para o fortalecimento dos(as) estudantes que já foram tão alijados dos seus direitos, e este um dos objetivos primordiais da EJA e das ações que norteiam o fazer pedagógico-administrativo da GEJA.

 

 

 

 

Considerações finais

 

 

Colocar em prática o trabalho inspirado por Paulo Freire é um desafio e um convite ao qual devemos nos desafiar constantemente: estabelecer relações dialógicas, libertadoras e emancipadoras, que reconheçam ou estimulem a autonomia dos sujeitos. Nesse sentido, a GEJA tem procurado meios para corporificar essas ideias em um projeto de EJA na Rede Pública de Ensino do Município. Para tal, em diversas ações estratégicas de cunho pedagógico, tem fomentado principalmente uma perspectiva de relações dialógicas em ações como: Diálogos da EJA, Reunião com POs (a EJA que temos e que queremos), participação em CEs, Semana da EJA, reunião com articuladores(as) da EJA nas GEDs , GT de implementação das Orientações Curriculares da EJA Rio etc.

 

 

"Todo ser humano é inacabado, inconcluso, pois é histórico, cultural, e, portanto, se produz na sua experiência de vida"

 

 

Quando pensamos nas práticas curriculares embasadas nas experiências vividas pelos(as) estudantes em seu cotidiano, estamos trazendo o pensamento de Paulo Freire. Partir da realidade dos sujeitos é condição de respeito, por meio do ato de valorizá-los e não se reduz em si mesmo, pois precisa ser convite também a ampliar, aprofundar, ressignificar os conhecimentos adquiridos ao longo da vida e buscar outros (novos) conhecimentos.

 

 

Pensar em Freire nos faz evidenciar a educação como ato político, alicerçado em uma perspectiva para a liberdade, fomentando um trabalho em sala de aula que possibilite aos(às) estudantes construírem uma consciência crítica e uma prática transformadora para e da vida. As ideias que aqui destacamos são cruciais para promover condições à liberdade de pensamento e fortalecer os cidadãos em suas escolhas. Enquanto ato político, a educação demanda, na pessoa dos sujeitos, como uma de nossas missões, fomentar ações que possibilitem construir meios para as transformações sociais, combate às injustiças, preconceitos, violências, desigualdades sociais e tantas outras formas de desvalorizar a experiência e os próprios sujeitos da EJA.

 

 

Referências

 

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 51. ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção Questões da Nossa Época).

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 75. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

 

 

 

 

Geisi Nicolau

 

Especialista em Educação de Jovens e Adultos, ingressou na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro em 2011. Atualmente, é Gerente da Gerência de Educação de Jovens e Adultos (GEJA).

 

Daniel de Oliveira

 

Doutorando em Educação (UERJ FFP), atua na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro desde 2008 e, atualmente, é Assistente I da Gerência de Educação de Jovens e Adultos (GEJA).

 

 

Caroline Martins

 

Mestre em Geografia pela UFF, faz parte da Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro desde 2012 e, atualmente, integra a equipe da Gerência de Educação de Jovens e Adultos.

 

Itália Claudia Alves

 

Com Especialização em Alfabetização, Leitura e Escrita pela UFRJ, ingressou na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro em 2013 e hoje atua na Gerência de Educação de Jovens e Adultos (GEJA).